sábado, 7 de outubro de 2017





                                     O pênalti de Domingos em Piola - III a -

                                             Série Brasil, Copas e Craques

Como vimos, o futebol brasileiro fracassou nas duas primeiras Copas do Mundo. No Uruguai, em 1930, o Brasil não se fez representar com a sua melhor seleção. A briga entre os dirigentes do Rio e de São Paulo tirou os jogadores paulistas do mundial. Não havia na Comissão Técnica nenhum representante de São Paulo, gerando o descontentamento. Araken Patuska, que estava sem clube, foi o único paulista na seleção.

Quatro anos depois, as divergências continuavam a prejudicar o futebol brasileiro. Agora, era a briga entre a CBD, entidade de clubes amadores, e a FBF, cujos filiados eram clubes profissionais. As agremiações da Federação Brasileira de Futebol se negaram a ceder seus jogadores. Por interferência de Carlito Rocha, alguns profissionais concordaram em participar da seleção, como foi o caso de Leônidas da Silva. 

Classificado nas eliminatórias com a desistência do Peru, o Brasil disputou as oitavas de final em jogo único, sendo eliminado pela Espanha ao ser derrotado por 3 a 1.

Na III Copa do Mundo, disputada na França, pela primeira vez o futebol brasileiro estava representado pelos seus melhores jogadores. A estreia foi contra a Polônia. No tempo normal houve o empate de 4 a 4 e na prorrogação conseguimos chegar a vitória por 6 a 5. Depois enfrentamos duas vezes a Tchecoslováquia. O empate de 1 a 1 foi o resultado da primeira partida e no jogo desempate ganhamos por 2 a 1 e nos classificamos para as semifinais. O adversário era a poderosa campeã do mundo, a Itália. 

Mesmo sem Leônidas, seguramos o empate de 0 a 0 no primeiro tempo. Num contraataque italiano aos 11 minutos do segundo tempo, Colaussi abriu a contagem. O lance decisivo da partida aconteceu quatro minutos depois. O árbitro suíço M. Wutrich marcou pênalti de Domingos da Guia em Piola, fato que dificultou a reação brasileira para superar a vantagem adversária.  
 
Os jornais que cobriam o mundial publicaram várias matérias sobre o tão discutido lance com destaque para a imprensa francesa. O jornalista francês A.Chantrel, no jornal “Sporting”, de Paris, escreveu: 

“Em Marselha, os brasileiros realizaram uma péssima partida. Romeu, Luizinho e Perácio, sucessivamente, tentaram substituir Leônidas, no centro da linha avante. Mas foi em vão. A turma brasileira desarticulada, fatigada, foi dominada pela Itália. Não obstante a superioridade do adversário, os brasileiros foram batidos por um pênalti dos mais discutíveis. De fato, enquanto a bola se encontrava a quarenta metros da linha, Domingos deu um pontapé em Piola. Este tomba e o juiz, voltando-se, sem hesitação, concede a penalidade. A meta não estava ameaçada, pois a bola não estava em jogo. 

Houve falta é evidente, mas o Sr. Wutrich seria mais inspirado se fizesse sair Domingos do que oferecer um ponto aos italianos, tanto mais que ele poderia pensar – e teria acertado – que Domingos não cometeu essa falta de sangue frio, mas sim em revide a uma provocação. De qualquer modo foi esse o ponto da vitória e da eliminação dos brasileiros”. 

Em outro jornal esportivo, “O Football”, de Paris, o jornalista Gabriel Hanot expôs a sua opinião: 

“Existe uma só mancha no puro cristal do futebol praticado por Silvio Piola. É uma certa tendência a dissimulação. Em Marselha, quando recebeu os golpes do grande Domingos, Piola atirou-se ao solo para obter  um pênalti a favor da sua equipe. O árbitro suíço M. Wutrich ficou, com efeito, alarmado e concedeu injustamente o pênalti que Meazza transformou em gol da vitória, enquanto Piola se levantava absolutamente indene!...”.

O grande Domingos da Guia, autor do pênalti, no livro “O Divino Mestre”, do jornalista inglês Aidan Hamilton, falou sobre o discutido lance:

“Durante todo o “match” fui provocado pelo centroavante. Recebera ordens de Pimenta no sentido de não largar o craque italiano: “Você será a sombra de Piola”. E foi o que aconteceu. Antecipava-me, com facilidade e, nas bolas altas, procurava sempre confundi-lo. Lá pelas tantas, Piola perdeu a cabeça e desandou a dizer palavrões. Explodia: “Você não me larga, não é? Pois vai se arrepender”. Às ameaças do adversário, todos sorríamos. Até que ele começou, de fato, a distribuir pontapés. Os palavrões de Piola, que vinham em italiano, eram devidamente traduzidos e devolvidos.

Aos quinze minutos da fase complementar, ainda com o Brasil em pleno domínio, a defesa italiana rechaçou uma bola. Pulamos, eu e Piola. Estávamos no setor esquerdo e o centroavante, vendo o meia em boa posição, tentou cruzar. Ora, eu vinha marcando em cima e a cabeçada do adversário saiu defeituosa. O juiz consignou bola fora. Quando voltava para posição, fui surpreendido com a violência do rapaz.

Cinicamente, o italiano atingiu o meu tornozelo. Cego de dor e de ódio, revidei. Foi o bastante. O árbitro, que não vira o lance anterior, usou o apito. Eis um momento inesquecível da minha vida. Todos os jogadores do Brasil ficaram atônitos. Martim, capitão da equipe, foi falar com o juiz. Esse respondeu no seu idioma. Alucinado, o centromédio perguntou: “O senhor é ladrão?”. O juiz confirmou, acenando. Com o mal consumado, nasceram alguns protestos dos dirigentes. Mas já não mais seria possível remediar a situação. A bola foi colocada na marca de cal e o placar modificado”.

Romeu, ainda, fez o gol de honra brasileiro aos 41 minutos. A seleção terminou a Copa com uma bela vitória diante da Suécia por 4 a 2, em disputa do 3o lugar.

O pênalti de Domingos em Piola aconteceu no dia 16 de junho de 1938 e faz parte dos inúmeros lances polêmicos que enriquecem a história do fascinante mundo do futebol.

 

 
 
Foto – Lance do jogo Itália 2 x Brasil 1. Walter procura evitar a cabeçada de Piola, enquanto Domingos da Guia e Martim fazem a cobertura do goleiro brasileiro.

 

 

 

 

 

 




                     Na França, grandes craques e muitos problemas - III -
                                           Série Brasil, Copas e Craques

Finalmente, o futebol brasileiro conseguiu reunir seus melhores jogadores para representá-lo no mundial de 1938, na França. Sem conflitos entre as entidades dos principais centros futebolísticos nacionais, Rio e São Paulo, Ademar Pimenta, o técnico escolhido pela CBD, pode convocar os jogadores de sua preferência. Possuíamos grandes craques e a maioria esmagadora dos torcedores brasileiros aprovou os nomes convocados pelo nosso treinador.
Desde o período de preparação na cidade mineira de Caxambu, segundo os jornalistas que cobriam o dia-a-dia da seleção, a disciplina ficava aquém do desejável num grupo que se preparava para uma Copa do Mundo. Com frequência, os atrativos noturnos dos hotéis da bela estância hidromineral encantavam os integrantes da nossa seleção.
A seleção finalizou os treinamentos no Rio e em São Paulo. Com a desistência da Bolívia, seu adversário nas eliminatórias, o Brasil se classificou mais uma vez sem jogar.
Foram classificados para o mundial de 1938 quinze países: Alemanha, Bélgica, Brasil, Cuba, França, Holanda, Hungria, Índias Holandesas, Itália, Noruega, Polônia, Suécia, Suíça, Romênia e Tchecoslováquia. O sistema era mais uma vez eliminatório.
No dia 30 de abril, a delegação deixou o Rio de Janeiro a bordo do navio “Arlanza”. Quinze dias depois os brasileiros estavam em Paris. O primeiro adversário era a Polônia, em Estrasburgo, no dia 5 de junho.
O elenco estava dividido em dois grupos: a equipe azul formada por Batatais (Fluminense), Domingos (Flamengo) e Machado (Fluminense), Zezé Procópio (Botafogo), Martim Silveira (Botafogo) e Afonsinho (São Cristóvão); Lopes (Corinthians), Romeu (Fluminense), Leônidas (Flamengo), Perácio (Botafogo) e Hércules (Fluminense); e a equipe branca com Walter (Flamengo), Jahú (Vasco da Gama) e Nariz (Botafogo); Brito (América), Brandão (Corinthians) e Argemiro (Portuguesa Santista); Roberto (São Cristóvão), Luizinho (Palestra Itália – SP), Niginho (Vasco da Gama), Tim (Fluminense) e Patesko (Botafogo).
Deixando-se influenciar pelas opiniões de dirigentes e jornalistas, Ademar Pimenta demonstrava total insegurança quanto à escalação do time brasileiro. Uma das críticas feitas a Pimenta era a separação das alas formadas por Tim e Hércules, no Fluminense, e por Perácio e Patesko, no Botafogo.  
            O jogo de estréia contra a Polônia foi dramático. O campo enlameado dificultava as ações das duas equipes e as mudanças no placar traziam a incerteza quanto ao resultado da partida.
            Leônidas abriu o marcador aos 18 minutos de jogo. Cinco minutos depois, Szerfke, de pênalti, igualava o marcador. Romeu desempatava logo a seguir aos 25. Faltava um minuto para terminar o 1o tempo e Perácio fazia o terceiro gol brasileiro. Aos 5 minutos do 2o tempo, Piontek marcou o segundo gol polonês e nove minutos depois Willimowski empatou. Perácio aos 26 venceu novamente o goleiro Madejski. Faltavam dois minutos e a Polônia igualou o marcador por intermédio de Willimowski. Tudo igual: 4 a 4. Agora a prorrogação.
            O árbitro sueco I. Eklind autorizou a saída e o Brasil partiu para o ataque em busca do desempate. Aos três minutos Leônidas assinalou o 5o gol brasileiro e aos 12 fez o sexto. Os poloneses não se entregaram e marcaram aos dois minutos da segunda fase do tempo extra. Final Brasil 6 x Polônia 5.
O Brasil jogou com Batatais (Fluminense), Domingos (Flamengo) e Machado (Fluminense); Zezé Procópio (Botafogo), Martim (Botafogo) e Afonsinho (São Cristóvão); Lopes (Corinthians), Romeu (Fluminense), Leônidas (Flamengo), Perácio (Botafogo) e Hércules (Fluminense).
            O segundo adversário do Brasil era a Tchecoslováquia, vice-campeã mundial de 34. A partida no Estádio Municipal, em Bordeaux, no dia 12 de junho, terminou com o empate de 1 a 1. O time sofreu apenas uma alteração com a entrada de Walter no lugar de Batatais.
            Leônidas inaugurou o placar aos 30 minutos e no segundo tempo Nejedly marcou para os tchecos aos 19 minutos, batendo uma penalidade máxima cometida por Domingos da Guia.
            Os lances violentos se sucediam, obrigando o árbitro húngaro Paul Hertzka a expulsar três jogadores, além de vitimar outros três. Zezé Procópio saiu mais cedo por atingir Nejedly com um pontapé; Machado e Riha foram expulsos por agressão mútua; Perácio e Leônidas se contundiram gravemente; e o goleiro Planicka teve a clavícula deslocada num choque com Perácio.
            O Brasil atuou com Walter (Flamengo), Domingos e Machado; Zezé Procópio, Martim e Afonsinho; Lopes, Romeu, Leônidas, Perácio e Hércules.
Como o vencedor seria um dos semifinalistas, houve a necessidade da realização de novo jogo. Dois dias depois estavam em campo novamente no Estádio Municipal de Bordeaux as seleções do Brasil e da Tchecoslováquia.
Ademar Pimenta mudou totalmente a equipe brasileira. Leônidas foi a exceção. Mantido no comando do ataque, teve sua contusão agravada e ficou fora do jogo com a Itália. O Brasil terminou o primeiro tempo perdendo por 1 a 0 gol de Kopecky aos 30 minutos. Na etapa final, o time brasileiro conseguiu virar o marcador e chegou à vitória com gols de Leônidas aos 11 minutos e de Roberto aos 18.
A seleção brasileira formou com Walter (Flamengo), Jahú (Corinthians) e Nariz (Botafogo); Brito (América), Brandão (Corinthians) e Argemiro (Portuguesa Santista); Roberto (São Cristóvão), Luizinho (Palestra Itália – SP), Leônidas (Flamengo), Tim (Fluminense) e Patesko (Botafogo). 
Classificado para as semifinais, o Brasil teve pela frente a Itália, campeã mundial de 1934. O problema era a ausência de Leônidas, sem condição de jogo, devido à contusão sofrida na primeira partida diante dos tchecos. Seu natural substituto seria Niginho, do Vasco da Gama.
            O Dr. José Maria Castelo Branco, chefe da delegação e que exercia também a função de médico, falou com Ademar Pimenta para não escalar Niginho, porque a Federação Italiana mantinha seu contrato com a Lazio perante a FIFA. O jogador havia deixado o clube italiano, retornando ao Brasil para jogar no Palestra Itália (atual Palmeiras).
            O técnico brasileiro optou pela manutenção de Luizinho, barrando Tim e escalando Romeu de centro-avante. Em Marselha, no Estádio Jean Boin “Velodrome”, no dia 16 de junho, a Itália ganhou do Brasil por 2 a 1.
            Os comandados de Vittorio Pozzo abriram o placar aos 10 minutos do 2o tempo por intermédio de Colaussi. Meazza aumentou a vantagem de pênalti aos 15, diminuindo as chances de reação da seleção brasileira. Romeu fez o gol brasileiro aos 42 minutos.
            Perdemos para a Itália com Walter, Domingos e Machado; Zezé Procópio, Martim e Afonsinho; Lopes, Luizinho, Romeu, Perácio e Patesko.
            Fomos disputar o 3o lugar com a Suécia que havia perdido na outra semifinal para a Hungria por 5 a 1. Enfrentamos os suecos em Bordeaux e vencemos por 4 a 2. Batatais retornou à meta brasileira; Brandão entrou no lugar de Martim; Roberto substituiu Lopes na ponta-direita; Romeu ocupou sua posição de meia; e Leônidas retornou ao comando do ataque.
            A exibição brasileira foi muito elogiada, destacando-se a atuação de Leônidas. O primeiro tempo terminou com a vantagem sueca por 2 a 1 gols de Jonasson aos 13 minutos, Nyberg aos 23 e Romeu aos 42 minutos. Leônidas marcou aos 7 e aos 25 do segundo tempo e Perácio encerrou o marcador aos 35 minutos.
            Conseguimos a 3a colocação na Copa de 38 jogando com Batatais, Domingos e Machado; Zezé Procópio, Brandão (Corinthians) e Afonsinho; Roberto, Romeu, Leônidas, Perácio e Patesko.
            As emoções da Copa de 38 foram transmitidas pelo locutor esportivo Gagliano Neto através das ondas da Rádio Cruzeiro do Sul. Os filmes das partidas do Brasil eram aguardados com ansiedade e lotavam a sala do cinema Capitólio, na Cinelândia.
            O Brasil fizera uma boa campanha e seu futebol passou a ser admirado pelo resto do mundo.










Foto 01 – Mensagem do técnico Ademar Pimenta para a torcida brasileira antes de embarcar para a França.

Foto 02 – Jogadores integrantes do elenco brasileiro na Copa do Mundo de 1938: a partir da esquerda de cima para baixo, Brandão, Batatais, Martim, Leônidas, Domingos, Patesko, Perácio, Nariz, Afonsinho, Hércules, Roberto, Romeu, Argemiro, Lopes, Walter, Jahu, Zezé Procópio, Brito, Ademar Pimenta (técnico), Niginho, Luizinho, Tim e Machado.

Foto 03 - A Gazeta de Notícias de 5 de junho de 1938 anunciava a estréia do Brasil na Copa do Mundo.                  

Foto 04 - A Gazeta de Notícias de 7 de junho de 1938 fazia referência a atuação de Leônidas na partida entre Brasil e Polônia.

Foto 05 – O cinema Capitólio, na Cinelândia, projetava os filmes dos jogos do Brasil. Vemos o anúncio da partida Brasil 6 x Polônia 5.

Foto 06 - Domingos disputa a bola com o atacante italiano, Walter sai para defender e Martim observa.

Foto 07 - A seleção brasileira formada, no Estádio Municipal de Bordeuax, antes da partida que decidiu o 3o lugar da Copa de 38: a partir da esquerda, Leônidas, Batatais, Perácio, Domingos da Guia, Brandão, Zezé Procópio, Machado, Roberto, Romeu, Afonsinho, Patesko e Ademar Pimenta.

Foto 08 - Primeiro gol brasileiro marcado por Romeu diante da Suécia.

Foto 09 - Uma multidão aguardava no porto do Rio de Janeiro a chegada dos jogadores brasileiros.

Foto 10 - A delegação brasileira é recebida festivamente na sede do Botafogo de Futebol e Regatas.