quinta-feira, 17 de outubro de 2019





                         Outubro, o mês dos gênios do futebol
                                                                                                                                    José Rezende
                Em outubro nasceram os dois maiores gênios do futebol brasileiro e porque não dizer da história do futebol mundial. Um nasceu no dia 18 de outubro de 1933 e o outro veio ao mundo no dia 23 de outubro de 1940. Receberam os nomes de Manoel dos Santos e Edson Arantes do Nascimento.
                
Manoel nasceu em Pau Grande, distrito de Xerém, no Estado do Rio de Janeiro, e Edson, em Três Corações, no sul de Minas Gerais. Ambos ficaram conhecidos no mundo do futebol pelos seus apelidos: Garrincha e Pelé.


Os primeiros chutes do garoto Manoel foram dados nas peladas da Rua dos Caçadores. Fascinado por uma bola, ele sempre arranjava uma desculpa para faltar à Escola Domingos Bebiano, da Fábrica Pau Grande da Cia. América Fabril.

Outra diversão predileta do menino Manoel era caçar passarinhos. Gostava de pegar garrinchas, pequeno pássaro mais conhecido pelo nome de cambaxirra. Rosa, sua irmã, lhe deu o apelido de Garrincha, com o qual ficou conhecido mundialmente.

Os repórteres que estavam presentes ao primeiro treino de Garrincha, no Botafogo, elogiaram o desempenho daquele jovem de 19 anos. O Diário da Noite publicou: “Surgiu uma nova estrela no Botafogo. Sensacional o treino de Gualicho”.  

No início a imprensa o chamou de Gualicho, nome de um cavalo veloz e campeão das corridas no Hipódromo da Gávea. Depois, Garrincha passou a ser um nome obrigatório, escrito e falado, em todos os veículos de comunicação.

Sete anos depois, em Três Corações – Minas Gerais, um garoto se encantou com as atuações do goleiro Bilé, que defendia a meta do São Lourenço, time em que jogava Dondinho, seu pai. Nas peladas o menino Edson se comparava ao seu ídolo. Seus colegas confundiam Bilé com Pelé e com o passar do tempo definitivamente Bilé se transformou em Pelé.

Garrincha e Pelé protagonizaram grandes espetáculos, nas décadas de 50 e 60, nos campeonatos regionais, na seleção brasileira e no exterior. Os confrontos entre Botafogo e Santos eram momentos especiais. Torcedores de outros clubes iam aos jogos dos alvinegros carioca e paulista para verem os dois fantásticos jogadores.

Na seleção brasileira, juntos, conquistaram o primeiro título mundial, na Suécia, em 1958. Em 1962, Pelé se contundiu no jogo contra a Tchecoslováquia, segunda partida da Copa. Garrincha jogou pelos dois e o Brasil chegou ao bicampeonato.

A seleção brasileira teve Pelé e Garrincha no mesmo time em 40 jogos. Foram 36 vitórias e 4 empates. Portanto, o Brasil com Pelé e Garrincha nunca conheceu o dissabor de uma derrota.

De Garrincha, no dia 18 de outubro, fica a lembrança do único e verdadeiro fenômeno do futebol. O Chaplin dos gramados. Os seus dribles encantaram as plateias em todo o mundo. Ele será eternamente a “Alegria do povo”.

Quanto a Pelé, o mais completo jogador que o mundo já viu, temos a felicidade de abraçá-lo no dia 23 de outubro. Na sua última Copa, em 1970, nos gramados mexicanos, nos brindou com lances inesquecíveis.  


Garrincha chegou ao Botafogo em 1953. Ei-lo ao lado de seu descobridor Arati


 Levado ao Santos por Waldemar de Brito, o garoto Pelé com 15 anos dava os primeiros passos na Vila Belmiro, em 1955

Garrincha e Pelé são incomparáveis. Eles são criaturas únicas criadas pelo Criador! Saudades de Garrincha e parabéns a Pelé.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019


 

                       Momentos marcantes da carreira de Castilho

“São Castilho” para a grande torcida tricolor e “leiteiro” para as torcidas adversárias. Para mim o maior ídolo da história do Fluminense. Presenciei atuações fantásticas de Castilho, que fizeram dele o “São Castilho” de todos nós tricolores.

 Assisti também as bolas baterem na trave ou no seu corpo, lances que o transformaram em “leiteiro”, na linguagem popular sortudo, para os que viam nele um obstáculo às vitórias de seus times.

Por 19 anos Castilho defendeu a meta tricolor desde a estréia contra o Fluminense de Pouso Alegre- MG, em 1946, até a última partida, em 1965, diante do Santos, no Maracanã, pelo Torneio Rio-São Paulo.

No dia 27 de novembro de 2018, Carlos José Castilho completaria 91 anos. Nesta oportunidade quero homenageá-lo, mostrando momentos marcantes de sua brilhante trajetória no mundo do futebol.

A estréia no Fluminense

F01 - Murilinho,Mirim, Nanati e Castilho, os quatro primeiros da foto, antes da partida contra o Fluminense de Pouso Alegre,
Minas Gerais, no dia em que Castilho estreou no Fluminense. O tricolor carioca venceu por 4 a 0.

A vitória sobre o “Expresso da Vitória"

F 02 – Na decisão do Torneio Municipal, em 1948, contra o famoso “Expresso da Vitória” do Vasco da Gama, Castilho garantiu o título com grande atuação. O Fluminense venceu por 1 a 0. Castilho e Índio se abraçam após a vitória.

O primeiro jogo na seleção brasileira

F 03 – Convocado por Flávio Costa, Castilho estreou na seleção brasileira contra o Paraguai pela Taça Osvaldo Cruz, em 1950. A partida realizada no estádio do Vasco terminou com a vitória do Brasil por 2 a 0. Antes do jogo vemos Juvenal, Castilho e Nilton Santos.

O primeiro título carioca

F 04 – O Fluminense conquistou o título carioca de 1951 vencendo o Bangu na melhor de três por 1 a 0 e 2 a 0. Castilho foi um dos destaques da equipe dirigida por Zezé Moreira. O goleiro tricolor defende assistido por Pinheiro e Zizinho no primeiro jogo da decisão.

Titular da seleção brasileira

F 05 – Castilho assumiu a posição de titular da seleção brasileira no Pan-Americano, em 1952, no Chile. O Brasil venceu o Panamá na estréia por 5 a 0. Equipe brasileira antes do jogo, no Estádio Nacional do Chile: Djalma Santos, Eli, Nilton Santos, Brandãozinho, Castilho e Pinheiro; Mário Américo, Julinho, Didi, Baltazar, Ademir e Rodrigues.

A conquista da Taça Rio

F 06 – Castilho pratica arrojada defesa diante de Gighia na vitória por 3 a 0 diante do Peñarol. No ano de seu Cinqüentenário, o Fluminense foi campeão da Taça Rio.

O pênalti batido por Ademir

F 07 – Em setembro de 1952, no campeonato carioca, Castilho, em lance que ficou famoso, defendeu o pênalti batido por Ademir na vitória tricolor por 1 a 0.

O sacrifício pelo Fluminense

F 08 – Na campanha do título invicto do Torneio Rio-São Paulo de 1957, o Fluminense não contou com Castilho, que foi substituído por Alberto e Vitor Gonzales. O goleiro tricolor havia machucado o dedo mínimo da mão esquerda ao defender um chute de Pepe num treino da seleção brasileira. O problema com o tempo se agravou e Castilho, contra a vontade dos médicos, optou pela amputação de parte do dedo para abreviar o seu retorno à meta do Fluminense.

Nos braços da torcida

F 09 – Carregado pelos torcedores, Castilho festeja o título antecipado do campeonato carioca de 1959, após a vitória por 2 a 0 sobre o Madureira.

A incrível defesa contra o Palmeiras

F 10 – Em 1960, o Fluminense conquistou pela segunda vez o título do Torneio Rio-São Paulo. Na vitória por 1 a 0 diante do Palmeiras, Castilho praticou um defesa sensacional, que mereceu o cumprimento de Chinezinho, que da entrada da pequena área, cara a cara com o goleiro, chutou forte, rasteiro no canto direito. Tive o privilégio de estar presente no Maracanã.

O último título no Fluminense

F 11 – O último título conquistado por Castilho, no Fluminense, foi o campeonato estadual de 1964, sob o comando técnico de Tim. Castilho e Paulista, chefe da torcida tricolor, se abraçam após a vitória por 3 a 1 sobre o Bangu.



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terça-feira, 20 de novembro de 2018


                                              Adeus ao campeão mundial Waldir Bocardo


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No último domingo, dia 18 de novembro de 2018, faleceu Waldir Geraldo Bocardo. Waldir, campeão mundial de basquete de 1959, nos recebeu em seu apartamento no Leme. As fotos, as medalhas e os troféus conquistados ao longo da brilhante carreira esportiva, ornamentavam o cenário, onde conversamos durante mais de três horas na tarde de 11 de agosto de 2011:

A vontade de aprender a jogar

“Eu morava em São Manoel e meu pai era mecânico. Quando ele ficou tuberculoso, nós tivemos de mudar de cidade. Mudamos de São Manoel para São José dos Campos, cidade que só respirava basquete. Então, eu que era um menino grande fui obrigado a jogar basquete. Eu era o pior da escola, o pior. Eu era um vexame. O que me fez ficar bom foi muito treino, perseverança, vontade de vencer. Eu tive sorte, porque peguei grandes técnicos. Em São José dos Campos, meu técnico foi o Marsson, olímpico em 48, que está muito vivo, inteirinho.

Minha família era pobre. Saiu um artigo na folha de São Paulo a meu respeito intitulado “Banana Ouro”. Nós só comíamos banana. Meu pai, tuberculoso, comia  uma sopinha. As caixas de banana serviam de mesas e de cadeiras.

A mudança de cidade foi importante, porque senão eu seria um mecânico grande e não um jogador de basquete. Eu treinava de manhã, de tarde e de noite.

Eu tinha um amigo que me comparava com uma bola de chicletes, que cada dia ficava maior. Eu não jogava nada. Eu me lembro que uma vez foi para São Manoel e disseram que eu jogava basquete em São José. Não joguei nada. Fui ridículo. Quando voltei, fiquei vendo um jogo da arquibancada e falei qualquer coisa que entenderam como se eu estivesse fazendo falta ao time. Foi só gargalhada.

Aos domingos, chovendo ou não, eu ficava sozinho na quadra pulando. Meu técnico dizia que eu não pulava nada. Em casa para fortalecer as pernas, enchia uma bolsa de tijolos e me exercitava.

Em São José dos Campos, fui campeão dos Jogos Abertos do Interior, realizados em Ribeirão Preto. Como eu era o mais alto, carreguei a bandeira. O time era muito bom. Jogavam Marsson, Bombarda que eram da seleção brasileira.

A vinda para o Rio

Em 1958, eu vim ao Rio fazer prova para a faculdade e passei para Educação Física. Quando eu voltei do mundial, o Corinthians foi a São José para me levar. Me ofereceram 17 mil e 500 cruzeiros e o Flamengo, o Kanela, me dava 5 mil. Mas, eu tinha passado na faculdade e tive juízo suficiente para pensar: o dinheiro vai acabar e o diploma não vai acabar. Tanto que, hoje como professor, eu tenho três aposentadorias: duas estaduais e uma pelo INSS.

O título mundial

Antes do mundial, eu já tinha sido convocado para a seleção paulista. Joguei contra a URSS, na inauguração do ginásio do Ibirapuera, e contra a Argentina.

Quando eu fui convocado pela primeira vez para a seleção brasileira, o Kanela convocou vinte e oito jogadores. Depois ele cortou quatro e eu continuei. Dos dezesseis ficaram quatorze e eu continuei. Era um sofrimento. Acabei ficando entre os doze, fui para o mundial e fui campeão do mundo. Alguém lá em cima, com certeza, gosta muito de mim.

 Na fase de classificação, classificaram-se Brasil e União Soviética. Eles se retiraram do campeonato e para nós não fez diferença nenhuma. A minha faixa de campeão está ali na parede. Ninguém diz que a União Soviética foi embora. Não tem nada disso. Problema deles.

O grupo era tão maravilhoso, que a gente se encontra trinta,  quarenta anos depois e a amizade continuava a mesma como se a gente não tivesse nos separado uma semana. Continuamos super amigos até agora. Sentimos a perda dos companheiros. O Edson era o meu melhor amigo e faleceu há pouco tempo.

Kanela o melhor técnico

Kanela tinha a liderança, Kanela tinha carisma, Kanela tinha autoridade. Kanela mandava no Flamengo desde o presidente até o roupeiro. Era uma coisa impressionante. Kanela comprava comida para a gente depois do treino. Ele passava na Praça Xv e pegava Fernando Brobro, Artur, Guguta, todo o pessoal que morava em Niterói. Pegava com o carro dele, trazia para o treino, alimentava todo mundo e depois dava dinheiro para todo mundo pegar a condução para ir embora.

Kanela era o primeiro a acordar. Quando nós ficamos quarenta e cinco dias na ilha das Enxadas, ele pegava o rádio do Rosa Branca, botava bem alto e gritava para nos acordar: “Os russos estão na esquina!” Ele era sensacional. Foi o maior técnico que o Brasil já teve. Tanto que ele está no Rol da Fama. Qual outro técnico brasileiro que pertence ao Rol da Fama. Nenhum. Só o Togo Renan Soares, o Kanela.

A diferença do Kanela para os outros técnicos era a visão que ele tinha. Eu era pivô na seleção. Ele me botou para jogar de ala. Eu adorei jogar de ala. Foi aí que eu joguei muito mais. .Ele via coisas que os outros não viam. Ele tinha um livro que surrupiou da biblioteca do exército. Ele falou assim: ”Esse livro vai ter muito mais utilidade para mim do que pra eles aqui. Não deu outra. Era um livro de um camarada chamado Dr.Fox Alen. Tudo que ele queria estava no livro. Ele falava para o massagista na hora de enfaixar o pé de um atleta: “Não, não é assim”.

Em 1930, o livro já falava na marcação entre o adversário e a bola. Não entre o adversário e a cesta como se marca até hoje no Brasil. O ginásio da Universidade de Kentuky tem o nome de Fox Alen. Kanela tinha o livro e os outros não tinham.
Flamengo e Algodão 
   
“Flamengo é Flamengo” como disse o Ronaldinho Gaúcho quando outros clubes se interessaram por ele. Jogar no Flamengo é uma glória. Minha camisa só não foi a 13 na seleção, porque alguém já usava a 13. Quando o Ubiratan foi convocado, como ele gostava da 6, eu passei a usar a 13. No Flamengo, eu subia a arquibancada correndo e descia no canguru. Era a minha preparação física.

Por ocasião da convocação para a seleção brasileira, fomos para São Pedro, em São Paulo. O Algodão não tinha chegado ainda. Estávamos eu e o Pedro Ives, de São José dos Campos. Dois caipiras. O Algodão chegou e todo mundo falando Algodão, Algodão, Algodão....Ele estava batendo lance livre. Acertou cinqüenta seguidos e nós ficamos de boca aberta. Era tão bom jogar com o Algodão, porque se você e ele estivessem livres e dava a bola para você fazer a bandeja. Não era egoísta. Era um camarada fabuloso. Senti muito a morte dele.

Algodão foi o maior jogador da história do Flamengo. Porém, em termos nacionais temos o Wlamir, o Amauri, a Hortência e a Paula. Nos tempos atuais. Jogavam demais. Conquistamos vários títulos por causa do Amauri e do Wlamir.

Depois da conquista do decacampeonato, o Flamengo perdeu vários jogadores. Alguns saíram e outros pararam de jogar. Os novos não eram tão bons como aqueles que saíram. Mical foi para São Paulo, Fernando foi trabalhar num banco, Algodão vinha de vez em quando. Mas, voltamos a ser campeões em 62 e 64.

Em 61, o Renato Brito Cunha, técnico do Fluminense, recém chegado dos Estados Unidos, colocou em prática a marcação sob pressão Botafogo, que era novidade. Acho que não tinha no livro do Dr. Fox Alen.

A carreira de técnico

Na minha carreira de jogador, joguei a maior parte do tempo no Flamengo. Fiquei no Vasco seis meses e retornei ao Flamengo. Vesti ainda a camisa do Botafogo.

Em 1959, quando cheguei ao Rio, conheci a mulher com a qual eu me casei, a Rose. Eu tinha vários empregos e o meu objetivo maior não era mais o basquete. Apareceram outros jogadores, como o Vitor que tinha um estilo de jogo parecido com o meu. Essas foram razões que me afastaram da seleção brasileira que conquistou o bicampeonato mundial em 1963.

Na função de técnico, as minhas principais conquistas foram o campeonato estadual de 74 pelo Fluminense, campeonato estadual de 77 pelo Flamengo, campeonato brasileiro com a Bit Corinthians lá no sul. Foi a primeira vez que um time fora de São Paulo ganhou um campeonato brasileiro. Fui assistente técnico do Ari Vidal, no campeonato mundial nas Filipinas. Ficamos em 3º lugar. Foi a última vez que o Brasil foi ao pódio num mundial”.

Foto 01 – A medalha de campeão mundial de Waldir conquistada em Santiago, do Chile, em 1959;
Foto 02 – Edson, Waldir, Pecente e Algodão retornam ao Brasil com as faixas de campeões mundiais.
Foto 03 – Waldemar e Waldir com Juscelino, quando o presidente recepcionou os campeões mundiais.
Foto 04 – No Fla x Flu decisivo do campeonato carioca de 1959, Waldir tenta a cesta. Era o 9º título consecutivo do Flamengo.
Foto 05 – O diploma de Waldir pela participação brasileira na Olimpíada de Roma, em 1960. O Brasil conquistou o bronze.
Foto 06 – Com a camisa 13, Waldir defendeu o Flamengo durante 15 anos.

sexta-feira, 26 de outubro de 2018




                                  85 anos de Garrincha


Na passagem dos 85 anos de Garrincha, no dia 18 de outubro de 2018, inserimos no texto a seguir, parte já publicada, importantes depoimentos que enriquecem a trajetória do nosso Mané. Nunca é demais, quando temos oportunidade, de lembrar de um personagem do mundo do futebol que proporcionou tanta alegria as plateias de diferentes países.

De Pau Grande a General Severiano

            No dia 18 de outubro de 1933, há 85 anos, nascia em Pau Grande, no Distrito de Magé, no Estado do Rio de Janeiro, um menino que recebeu o nome de Manoel dos Santos. Além da simplicidade do lugar, Manoel sentiu ao longo da infância e da adolescência a liberdade. A natureza lhe ofertava os rios e as cachoeiras para os banhos, os pássaros e os bichos maiores para as caçadas e os espaços para as descontraídas peladas.  

Seus dribles desconcertantes chegaram ao conhecimento de pessoas da cidade grande. Primeiramente, a próxima Petrópolis e depois ao Rio de Janeiro. Numa tarde o rapaz Manoel embarcou no trem das 11 horas, em Raiz da Serra, com destino a cidade grande. Ao descer na estação Barão de Mauá, estava a esperá-lo um sócio proprietário do Botafogo, que o levou de táxi a General Severiano. Corria o ano de 1953 e até hoje o não identificado botafoguense já assistira várias vezes Manoel defender às cores do S.C. Pau Grande. Encantado com o seu futebol, o misterioso alvinegro prometera a ele próprio que aquele jogador vestiria um dia a camisa do seu querido Botafogo.

Manoel chega ao Botafogo

Manoel não reagiu bem ao convite para treinar em General Severiano. Havia se decepcionado no São Cristóvão, onde foi tratado com indiferença; no Vasco nem chuteiras lhe deram; e no Fluminense foi chamado de aleijado. Mas, por insistência de alguns amigos resolveu fazer nova tentativa.

Recebido por Nilton Cardoso, filho e auxiliar do famoso técnico Gentil Cardoso, Manoel recebeu o uniforme do time reserva e entrou em campo. Seu marcador era o maior lateral-esquerdo do mundo, Nilton Santos. Para ele um adversário qualquer como tantos que estava acostumado a enfrentar nas peladas e nos jogos do S.C. Pau Grande. Ao receber a bola de Quarentinha, Manoel partiu para cima de Nilton Santos, como fazia com os seus outros marcadores na Raiz da Serra. Alguns afirmam e Nilton Santos confirma que Manoel jogou a bola entre as pernas do seu famoso marcador e partiu para o gol. Juvenal, campeão em 1948, e Paulo Amaral, ex-preparador físico e técnico do Botafogo, deram versões diferentes a respeito do fato:

Juvenal:

“Garrincha quando chegou ao clube, nós os titulares nem estávamos aqui. O primeiro treino do Garrincha foi entre os jogadores do come e dorme como se chamava na época. Consta que no primeiro treino ele meteu a bola entre as pernas do Nilton Santos. Isso é um folclore muito grande e têm pessoas que mantêm esse folclore. Na verdade ele treinou normalmente, saiu-se bem e depois participou de uma excursão pelo interior do estado. Nesses jogos, o Garrincha realizou belas exibições.

               Ao retornar ele continuou treinando já como jogador do Botafogo. Como eu dava o primeiro combate ao ponta, levei muitos dribles dele. A tal conversa que o Gentil mandou nós voltarmos para o campo depois de receber às informações do Nilton Cardoso sobre o treino do Garrincha, também, é folclore. Tanto que sua primeira partida no campeonato carioca foi nos aspirantes contra o São Cristóvão. Interessante que o Nilton mantém tudo isso. Até por carinho, por afeto e eu concordo. Mas, estou falando francamente.

Na estréia contra o Bonsucesso, o Mané sofreu um pênalti. Para surpresa nossa ele pegou a bola, colocou embaixo do braço, botou na marca, chutou e fez o gol. Quando falaram com ele, respondeu: “O pênalti não foi em mim? Quem bate sou eu.”

Nas excursões Garrincha realizou exibições fantásticas. Num jogo, na França, ele passou por toda a defesa adversária, inclusive, o goleiro e voltou driblando prá trás.

No início houve certa reação por parte de nós com relação ao futebol irreverente e até irresponsável do Garrincha. Os companheiros se desmarcavam para receber o passe e ele driblava o marcador e não dava a bola. Procurava outro adversário para driblar. Depois nós nos acostumamos. Mané recebia a bola e a bola era dele. Chutava, passava se quisesse passar e não adiantava instruções dos técnicos. Ele não ouvia. Jogava o futebol que sabia e gostava. A partir do momento que ele começou a compreender que era um senhor jogador de futebol, mudou o seu comportamento. Isso aconteceu após a Copa de 62. Garrincha passou a se julgar um grande astro. Foi o início do fim da sua carreira.”

Paulo Amaral:

“Num jogo de veteranos, em Teresópolis, contra um time de Petrópolis, o Arati levou um baile do Garrincha. Arati, que jogou no Madureira, Botafogo e na seleção brasileira indicou o Garrincha ao Botafogo.

No primeiro treino do Mané, quando ele foi trocar de roupa no vestiário, suas pernas tortas causaram espanto. O Gentil Cardoso chegou a comentar: “olha, olha, o jogador do Arati !”. Gentil pediu para eu distribuir as camisas e colocar o garoto no time reserva para ser marcado pelo Nilton Santos.

Eu apitei o treino e na primeira bola que o Garrincha pegou, partiu para cima do Nilton, penteou a bola com o pé direito, movimentando-a no sentido da lateral do campo, o Nilton Santos balançou o corpo para a esquerda e o Garrincha passou por dentro, aproximou-se da área e chutou. Portanto, não houve o drible tão falado entre as pernas do Nilton.

            A primeira vez que num jogo o Garrincha vestiu a camisa do Botafogo, foi numa cidade do interior do Estado do Rio de Janeiro, cujo nome não me recordo agora. Eu era o técnico dos aspirantes e o Gentil me recomendou escalar e observar o Manoel.

O campo era muito ruim, sem grama, com algumas touceiras e o Garrincha arrasou com a defesa adversária, colocando o Ariosto, que fez quatro gols, cara a cara com o goleiro. Quando retornamos entreguei o relatório, dizendo: o jogador Manoel é excepcional, com o detalhe de driblar muito.

            A estréia do Garrincha, em jogos oficiais, foi no campeonato carioca de 53, contra o Bonsucesso. Ele sofreu pênalti e quando o Geninho pegou a bola para bater, o Garrincha disse: “quem bate sou eu”. Bateu e marcou o terceiro gol”.

            Numa excursão à Europa, o Botafogo jogou contra o Paris Saint Germain. Faltavam uns seis minutos e vencíamos por 2 a 1. O Zezé Moreira gritou para o Quarentinha que estava junto da lateral: “vamos segurar a bola”. O recado passou de jogador para jogador até chegar ao Garrincha. Quando a bola foi passada para ele, todos nós ficamos espantados, porque o Mané driblava os adversários até a linha de fundo, voltava para a linha que dividia o campo e ficou assim até o final do jogo”.                                      

O fato é que surgia, naquele momento, o verdadeiro e inigualável fenômeno de todos os tempos do futebol mundial.

Os primeiros chutes do garoto Manoel foram dados nas peladas na Rua dos Caçadores. Fascinado por uma bola, ele sempre arranjava uma desculpa para faltar à Escola Domingos Bebiano, da Fábrica Pau Grande da Cia. América Fabril.

João, irmão mais velho, apelidado de Zé Baleia, foi seu primeiro técnico. Gostava de reunir e orientar a garotada, razão pela qual fundou o Palmeiras F.C. O destaque do time era o garoto Manoel. No Palmeiras e depois no Cruzeiro do Sul, Manoel jogava de meia- esquerda. Quando jogou no Serrano, onde ficou apenas três meses, descobriu a sua verdadeira posição, ponta-direita. Depois passou a defender o 1o time do Sport Club Pau Grande. Suas brilhantes exibições empolgavam a todos que o assistiam, inclusive, o tal botafoguense que o levou para General Severiano.

Gentil, quando chegou, ouviu de Nilton Cardoso os maiores elogios sobre o treino do garoto. Chamou Garrincha e perguntou se ele faria tudo de novo. Simplório, Garrincha respondeu que talvez sim, talvez não. O veterano treinador mandou os jogadores voltarem para o campo e reiniciou o treino. Garrincha repetiu o que fizera com Nilton Santos na ausência de Gentil Cardoso. O técnico não perdeu tempo e autorizou a contratação de Garrincha. Versão contestada por Juvenal.
 
Certa vez, conversando comigo e com o falecido repórter Pedro Paradela, Garrincha nos contou que Arati, ex-jogador do Madureira e do Botafogo, o viu jogar, em Pau Grande, quando foi apitar uma partida. Daí o ter indicado ao homem que lhe abriu às portas do Botafogo.

A origem do apelido

Quando menino outra diversão predileta era caçar passarinhos. Como era pequenino e gostava de pegar garrinchas, pequeno pássaro mais conhecido pelo nome de cambaxirra, sua irmã Rosa lhe deu o apelido de Garrincha, com o qual ficou conhecido mundialmente.

Os repórteres que estavam presentes ao primeiro treino de Garrincha, no dia seguinte elogiaram o desempenho do garoto das pernas tortas. O Diário da Noite publicou: “Surgiu uma nova estrela no Botafogo. Sensacional o treino de Gualicho”. No início a imprensa o chamou de Gualicho, nome de um cavalo veloz e campeão das corridas no Hipódromo da Gávea. Depois Garrincha passou a ser um nome obrigatório, escrito e falado, em todos os veículos de comunicação.

Os primeiros jogos e a estreia no time titular

Antes de estrear na equipe principal do Botafogo, Garrincha atuou em dois amistosos e na equipe de aspirantes contra o São Cristóvão. As duas primeiras partidas foram, em Miguel Pereira, frente ao Avelar F.C., e diante do E.C. Cantagalo, em Cantagalo, onde marcou três gols, no dia 29 de junho de 1953. O Botafogo venceu, respectivamente, por 1 a 0 e 5 a 1. Na vitória sobre o São Cristóvão, Garrincha fez dois gols dos cinco feitos pelo Botafogo.

Morava na Rua Farani, em Botafogo, e o Fluminense jogava diante da Portuguesa, em Campos Sales. Garoto, apaixonado por futebol, resolvi ver a partida entre Botafogo e Bonsucesso, em General Severiano. Naquele domingo, 19 de julho de 1953, tive o privilégio de assistir a estreia no time principal alvinegro, daquele que se tornaria o verdadeiro e único fenômeno do futebol mundial.

Alguns podem indagar: e o Pelé? Para mim o jogador mais completo do mundo em todos os tempos. Os dois foram gênios. Enquanto Pelé era um atleta física e tecnicamente perfeito, Garrincha, além das pernas tortas, durante a vida não se libertou do alcoolismo.

Luís Fernando, “o repórter que sabe do tudo”, que trabalhou comigo na Emissora Continental e na Rádio Nacional, falou sobre Garrincha:

“Ele estava sempre alegre, mesmo quando perdia uma partida. Ele se divertia jogando. A bola para ele era um brinquedo. Quando voltou do Chile após a Copa do Mundo, renovou contrato com o Botafogo, que não lhe deu o dinheiro que havia prometido. Na época o time estava indo para Recife, jogar três amistosos contra  Náutico, Sport e Santa Cruz.

 Na hora do embarque, no Aeroporto Santos Dumont, ele não apareceu. Então, os diretores Renato Estelita e Djalma Nogueira chamaram Nilton Santos e disseram: “Nilton, vai a Pau Grande buscar o Mané, que nós vamos remanejar o vôo de vocês para as 18 horas”. Eu estava ao lado dele e perguntei se podia ir junto. Então entramos no carro e partimos para Magé. Quando chegamos à porta da casa, encontramos uns garotos jogando uma pelada com bola de meia. Nilton foi entrando e Dona Nair, que foi a primeira esposa do Garrincha, o recebeu e disse que o marido estava pescando com os amigos Swing e Pincel. Dona Nair chamou um dos garotos para nos guiar e, quando chegamos à beira do riacho, encontramos todos adormecidos ao lado de três garrafas de cachaça vazias.

O Nilton acordou o Garrincha e disse: “Vai para casa tomar um banho gelado e botar um terno, porque você vai comigo para Pernambuco.” E assim foi. Ele respeitava muito o Nilton Santos e disputou os três jogos.”
    
Garrincha fez do futebol uma eterna brincadeira. Enquanto os normais fugiam de seus marcadores, ele os procurava. Um dia conversando na sala do Departamento de Esporte, da Rádio Nacional, com o querido e saudoso amigo Zoulo Rabelo, ele me disse que instruía o zagueiro Joel para sempre tocar a bola para Garrincha. Joel respondia: “Seu Zoulo, o Mané está sempre perto do marcador”. Zoulo insistia: “Dê a bola prá o Mané que ele resolve”.

Há 65 anos a estréia no Botafogo

Voltando à tarde do dia 19 de julho de 1953, lembro-me bem que no 2o tempo o Botafogo atacou para o gol da Rua General Severiano. Quando houve o pênalti, vi Geninho, capitão da equipe, pegar a bola para bater a falta máxima.  Garrincha se aproximou e tirou a bola de Geninho. Não ouvi o que ele falou para o veterano craque. Porém, pelos gestos decidira bater o pênalti, como fazia em Pau Grande. Conversando com Nilton Santos sobre o fato, ele me disse: “Garrincha não deve ter falado nada, pegou bola, como sempre fez, em Pau Grande, e bateu o pênalti”. Juvenal me confirmou o que dissera Nilton Santos. Mané chutou e marcou mais um gol dos três que fizera no goleiro Ari. Final Botafogo 6 x Bonsucesso 3.

Os rubro-anis abriram a contagem aos quatro minutos por intermédio do ex-tricolor Simões, batendo falta de fora da área; Garrincha cobrou escanteio da direita e Vinicius empatou aos 20 minutos; e Lino desempatou, ainda, no 1o tempo. Na fase final, Garrincha marcou três gols e Dino dois para o Botafogo; Benedito encerrou o placar.
   
A equipe alvinegra jogou com: Gilson, Gerson e Nilton Santos; Araty, Bob e Juvenal; Garricho, Geninho, Dino, Carlyle e Vinicius. Na edição do Jornal dos Sports, no  dia da estreia de Garrincha estava escrito: “Garricho estreará no Botafogo”. Na 3a feira, dia 21, o JS não saía na 2a feira, o time do Botafogo estava escalado com Garricho, na ponta- direita. O Bonsucesso se apresentou com Ari, Duarte e Mauro; Urubatão, Décio e Serafim; Lino, Wilson, Simões, Soca e Benedito.

As manchetes dos jornais, ainda, faziam confusão com o seu nome a o chamavam com freqüência de Garrincho, Garrixa, Garrixo e Gualicho. Os jogos se sucediam, Garrincha encantava os torcedores, a imprensa esportiva e, finalmente, o nome Garrincha se firmava a cada dia.

Gilson Murci, era o goleiro alvinegro no dia da estréia de Garrincha:

“Estreei no time principal do Botafogo junto com Garrincha e me orgulho muito disso. É uma honra que guardo até hoje e conto sempre aos meus filhos e netos as aventuras dele. Como seu companheiro de equipe, posso dizer que ele tinha um coração bom, puro, sem maldade nenhuma e jogava por prazer. Aqueles dribles desconcertantes que dava nos adversários, aquilo nunca foi para desmoralizar ninguém, ele jogava futebol como se estivesse brincando na praia ou num terreno baldio. Foi um grande sujeito e, para mim, o melhor jogador de todos os tempos. Tenho orgulho de ter jogado no mesmo time que ele e de ser botafoguense.”

Títulos e grandes atuações

No time do Botafogo jogavam Vinícius e Dino dois atacantes artilheiros que seguiram o caminho do futebol europeu. Contratados, respectivamente, pelo Nápoli e pela Roma, se radicaram ao futebol italiano e se realizaram financeiramente. Acredito que ambos são eternamente gratos a Garrincha. Foram inúmeros os jogos em que depois de deixar os adversários para trás, Garrincha entregava a bola limpa para a finalização dos dois companheiros. Nilton Santos nos contou que numa excursão à Europa, Vinícius pediu a Garrincha para ajudá-lo a fazer gols, a fim de ser contratado por um clube europeu.

Com a contratação de Didi, em 1956, e a formação de uma grande equipe, Garrincha passou a ter a companhia de outros craques. Até ali ao seu lado jogavam bons jogadores e, apenas, Nilton Santos era um fora de série.

Em 1957, o Botafogo possuía excelente time com as destacadas presenças de Nilton Santos, Didi, Pampolini, Paulo Valentim e Quarentinha. Completavam a equipe os eficientes Adalberto, goleiro, Beto, Tomé e Servílio, zagueiros, e o meio-campo Edson.

No campeonato, Garrincha brindou a torcida alvinegra com extraordinária exibição na final, arrasando a defesa do Fluminense. Quem se beneficiou com o show de Garrincha, foi o atacante Paulinho Valentim que marcou cinco gols e se tornou o artilheiro daquele ano.

Logo após a conquista do campeonato, o Botafogo embarcou para mais uma excursão ao exterior. Os jogos se sucederam em vários países americanos até a disputa do Torneio Pentagonal, no México, com a participação do Guadalajara, Toluca, Zacatepec, clubes locais, River Plate, tricampeão argentino, e Botafogo. A equipe alvinegra perdeu na estréia para o Guadalajara por 2 a 0, se reabilitando com as vitórias sobre o Toluca e o Zacapetec, respectivamente, por 4 a 3 e 3 a 1. Garrincha com atuações espetaculares desmantelava as defesas adversárias, culminando com a desmoralização do zagueiro argentino Vairo, pelos dribles que levou do ponteiro botafoguense, no empate de 1 a 1 com o River Plate. Garrincha além das notáveis exibições foi o artilheiro alvinegro com nove gols.
   
Garrincha impressionava a todos pela facilidade com que passava pelos seus marcadores e brincava de jogar futebol. Convocado para as eliminatórias da Copa de 58, Garrincha atuou, inicialmente, na ponta-esquerda e depois jogou na sua verdadeira posição. Em Lima, no empate de 1 a 1 com o Peru, integrou o ataque brasileiro na extrema- esquerda com Joel na ponta-direita.

No Maracanã, na segunda partida frente aos peruanos, atuou na sua verdadeira posição, passando Joel para a ponta-esquerda. Na Europa, antes da Copa, nos amistosos contra a Fiorentina e a Internazionale, Garrincha acabou com as defesas adversárias. No jogo diante da Fiorentina, Garrincha depois de driblar toda a defesa da equipe italiana, inclusive, o goleiro, parou, esperou a chegada de um zagueiro, num passo de toureiro livrou-se do adversário, que foi parar no fundo da rede, e, finalmente, terminou sua obra de arte, marcando o gol.

Sua ausência nos dois primeiros jogos do Brasil, frente à Áustria e a Inglaterra, tem diferentes explicações. Paulo Amaral, integrante da comissão técnica em 58, dá sua versão:

O fato é que na estréia contra a URSS, logo nos primeiros minutos da partida, Garrincha desmontou todo o esquema que o técnico soviético havia preparado para marcá-lo. O beneficiado desta vez foi o centroavante Vavá, que soube aproveitar os cruzamentos de Garrincha.

Terminada a partida final, Gunnar Green, técnico sueco disse: “Garrincha nos deixa complexados. Faz sempre a mesma coisa... mas passa sempre”.

Um ano depois da conquista da Copa do Mundo, o Botafogo excursionou à Europa. Os alvinegros enfrentaram os austríacos e os suecos, empatando com os primeiros de 2 a 2 e vencendo os escandinavos por 3 a 0, respectivamente. O técnico da Áustria declarou após a partida: “Pensei que o jogo estivesse ganho, mas aquele extraordinário jogador que nos deixou malucos, driblou a todos e fez o gol”. Outra declaração foi a do treinador da Suécia, Gunnar Green: “O que fazer? Eles trouxeram Garrincha de novo”.

Nilton Santos gostava de instigar Garrincha. Nas excursões falava: “Fulano de tal, seu marcador, declarou que esse tal de Garrincha não é de nada”. Começava o jogo, Mané estraçalhava o marcador e perguntava prá mim: “É esse viado?”. Eu respondia: “Sei lá”.
   
Após a Copa do Mundo, o Botafogo rebebia mais um campeão mundial: Zagalo. Contratado ao Flamengo, o ponta-esquerda juntava-se a Garrincha, Didi e Nilton Santos.

Veio o bicampeonato estadual de 1961/62 e Garrincha proporcionava mais um grande show na final de 62 contra o Flamengo. Além de liquidar o esquema defensivo armado por Flávio Costa, Mané marcou os três gols na vitória por 3 a 0.

Na Copa de 62, no Chile, a seleção brasileira perdeu Pelé no empate de 0 a 0 frente a Tchecoslováquia para o resto do campeonato. Garrincha passou a fazer de tudo. Contra a Inglaterra fez gol de falta, de perna esquerda, de cabeça e chegou até ser expulso diante do Chile.

Na partida contra o Chile, o lateral esquerdo Eládio Rojas não satisfeito com as entradas violentas em Garrincha, deu-lhe um tapa no rosto. Naquele dia, Mané não agüentou e reagiu com um pontapé no traseiro do chileno. O árbitro peruano Arturo Yamasaki, alertado por um dos bandeirinhas, só viu a atitude do brasileiro e o expulsou. Garrincha não acreditava no que estava acontecendo e meio atordoado deu a volta em torno do gramado, quando foi atingido por uma pedrada. Aimoré Moreira que fora ao seu encontro, o acalmou e o fez entender que o árbitro o expulsara. Mané trouxe para o Brasil o bicampeonato mundial.

Os jornais chilenos estampavam: “Garrincha no es deste planeta. Viene de Marte”. Winterbotton, técnico inglês, declarou depois do jogo Brasil 3 x Inglaterra 1: “Preparamos nossos rapazes cuidadosamente durante quatro anos para enfrentar times de futebol. Não esperávamos um Garrincha.”

Jorge Vieira, técnico campeão estadual com o América em 1960, se preocupava com Garrincha, antes dos jogos contra o Botafogo:

“Treinávamos a semana toda uma tática que, pelo menos, impedisse que ele chegasse ao fundo com facilidade. No esquema, o Ivan fechava a lateral para evitar que ele partisse com a perna direita, forçando-o a jogar com a esquerda, com a qual não tinha domínio completo, e dava um drible mais largo, permitindo que o João Carlos pudesse roubar a bola. Às vezes dava certo, mas quase sempre o Garrincha arrumava um jeito de passar.”

O início do fim

Após o bicampeonato carioca de 61/62, os médicos chegaram à conclusão de que o problema no joelho direito de Mané Garrincha era uma artrose. O recomendável seria parar uns noventa dias para tratamento. Os contratos que o Botafogo assinava para jogos no exterior sempre exigiam à presença de Garrincha. Sem ele a cota por partida caía pela metade. Mais uma vez ele atendia os interesses do clube. Conseguia jogar por causa das infiltrações no joelho lesionado.

A velocidade inicial com que partia para passar pelos adversários não era a mesma. Desgostoso, começou a engordar. As atitudes dos dirigentes com ele não eram as mesmas, principalmente, depois da cirurgia realizada com o Dr. Marques Tourinho, médico sem vínculo com o Botafogo. Chegou a ser multado e afastado do time.

Finalmente, o Botafogo após recusar várias propostas para vender o passe de Garrincha, acertou a sua transferência para o Corinthians. Garrincha ainda foi à Copa de 66, na Inglaterra, e ao lado de Pelé venceu a Bulgária por 2 a 0, gols dele, de falta, e de Pelé. Frente a Hungria perdeu por 3 a 1 e não enfrentou Portugal, sendo substituído por Jairzinho, herdeiro da sua posição no Botafogo.

Emprestado pelo Corinthians ao Vasco, em 1967, Garrincha iria estrear na abertura da Taça Guanabara. Antes integrou uma equipe mista, em Cordeiro, diante da seleção local. Contundiu-se na véspera do amistoso e jogou no sacrifício. Ainda assim marcou o 5º gol, de falta, na goleada de 6 a 1.

A programada estreia contra o Bangu, na Taça Guanabara, não aconteceu e Garrincha acabou não sendo aproveitando pelo Vasco.

Depois jogou, em 67, no Atlético Júnior, da Colômbia. Retornou ao Brasil e vestiu a camisa do Flamengo, em 68. Garrincha encerrou a carreira, em 1972, como jogador do Olaria.

Depois, Mané passou a integrar a equipe de veteranos do Milionários que com grandes ex-craques se exibia pelo interior do Brasil. Deixar os gramados sempre foi uma tarefa dificílima para Garrincha. Ele dava alegria ao povo, porque o futebol era a sua própria alegria.

Há 35anos, o adeus à “alegria do povo”

            Transmiti, em 1973, o jogo de despedida de Garrincha frente à seleção de jogadores estrangeiros que atuavam no Brasil. A emoção foi grande ao narrar o drible de Garrincha no zagueiro uruguaio Bruñel, do Fluminense. Bola entre às pernas do adversário e do bico da área o chute por cima do travessão. Dizem que o ex-jogador Gilbert, um dos organizadores da partida juntamente com os repórteres Vitorino Vieira e Pedro Paradela, pediu a Bruñel que o deixasse driblar.

Emoção maior estava por vir. Dez anos depois, no dia 20 de janeiro de 1983, estava na redação da TVS-canal 11, quando o grande jornalista Mário Moraes, nosso diretor de jornalismo, recebeu a notícia da morte de Garrincha.

Designado para fazer a matéria, o repórter Melinho me perguntou se eu queria acompanhá-lo. Fui e ao chegar encontrei o corpo de Manoel dos Santos sobre a mesa da capela da Casa de Saúde Dr. Eiras, sozinho, sem os refletores que iluminaram seus shows e sem o calor dos milhões de torcedores que o aplaudiram nos palcos esportivos.

 Na minha lembrança, passou um filme, cujo início foi à estreia contra o Bonsucesso, depois os dribles nos “joões” brasileiros e estrangeiros, seus marcadores apavorados e por ele sempre deixados prá trás, a vibração dos torcedores com a alegria que lhes era proporcionada, às estórias contadas por seus amigos, especialmente, as que surgiam nas longas conversas com João Saldanha e Zoulo Rabelo, queridos companheiros de trabalho, enfim tudo de bom que Mané nos deu.

Ali rumo à seleção do céu, estava “A alegria do povo”, “O demônio das pernas tortas”, o “Espantalho”, como dissera o extraordinário goleiro Castilho, do Fluminense, após a final do campeonato carioca de 1957. Como afirmou Gerson, o “Canhotinha de Ouro”: “Garrincha era desconcertante”. Com simplicidade e modéstia ele explicava os seus dribles:

“Eu já nasci com o dom de driblar. Eu acho muito mais fácil uma pessoa que tem a bola dominada partir para cima do seu marcador, porque o marcador está sempre esperando e apoiado no chão. Você correndo tem mais facilidade de dar um toque na bola, enquanto ele se vira para acompanhar você, você já está longe”.

Não cometam o imperdoável equívoco de comparar Garrincha com qualquer outro jogador do planeta Terra. Mané e Pelé são criaturas únicas criadas pelo Criador. O primeiro o único fenômeno do mundo do futebol, o segundo o mais completo jogador de todos os tempos.

O belo texto de Matinas Suzuki Jr, publicado na edição 1148 da Revista Placar de fevereiro de 1999, compara Garrincha a Cantinflas e a Carlitos, gênios da arte do humor:

Garrincha, Cantinflas e Chapiln

“A foto de Mané Garrincha ao lado de Mazzola em 1958, tirada provavelmente em alguma viagem da seleção brasileira, chama a atenção é o quanto nos faz lembrar dois outros grandes ídolos populares que, com ele, eram também anti-heróis populares, cômicos e líricos, Palhaços nos tentando fazer rir no meio de infindáveis tristezas, nobres vagabundos portadores de esperanças.

O chapeuzinho de aba virada, o cigarro quase despencando dos lábios, o terno muito apertado (“o defunto era menor!”, dizia-se antigamente), a calça abaixo da cintura, lembram o imortal personagem criado pelo mexicano Mário Moreno (1933-1981), o Cantinflas, tão vivo no imaginário brasileiro quando o cinema mexicano era popular por aqui. Para ser um Cantinflas – até o nome estranho era parecido com o dele – só faltava a Garrincha o bigodinho.

Ao mesmo tempo, a necessidade de aparentar alguma dignidade através da roupa surrada, o guarda-chuvas pendurado no braço e, sobretudo, as pernas irremediavelmente tortas de ambos – como se Deus quisesse andar certo com pernas tortas – lembram o universal símbolo criado por Charles Chaplin (1889-1997), o Carlitos.

Esta foto opera o pequeno milagre de uma cômica santíssima trindade ao vestir Garrincha de Cantinflas e de Carlitos. Eles foram três dribladores de situações antagônicas, três agentes desastrados da solidariedade humana. Eles fizeram milhares de pessoas esquecer seus problemas para... apenas sorrir.

Cantinflas com os truques da palavra, Carlitos com truques do corpo, Garrincha com truques para driblar. Todos populares. Todos verdadeiramente humanos. Três alegrias do povo, três gargalhadas da humanidade. Como perguntava Nelson Rodrigues: “Como pode o brasileiro rir, ou sorrir, sem o Mané”

Foto 01 – O companheiro e brilhante jornalista Roberto Porto, palestrante na homenagem prestada a Garrincha pelo Centro Histórico-Esportivo da Associação Brasileira de Imprensa, em 23 de outubro de 2008, dirimiu as dúvidas sobre a data de nascimento do grande craque e em relação ao seu verdadeiro nome. Porto levou a certidão de nascimento de Garrincha, onde constam a data de 18 de outubro de 1933 e o nome Manoel dos Santos.

Foto 02 – Em Pau Grande, além das peladas e das pescarias, Mané adorava caçar.

Foto 03 – A imprensa anunciava a estréia de Mané na equipe principal do Botafogo.

Foto 04 – Os três gols de Garrincha contra o Bonsucesso foram destacados pelos jornais.

Foto 05 – Depois de sofrer séria contusão em 1960, Garrincha não dispensou a reza de Dona Delfina Maria José: ”São Lifonso que cosa. Carne quebrada, ossos torcidos e nevo rendido”. Era a fé do homem simples do interior.

Foto 06 – Na decisão do campeonato estadual de 1962, Gerson foi escalado por Flávio Costa para dar o primeiro combate a Garrincha. O “canhotinha de ouro”, não conseguiu parar o fenomenal Mané.

Foto 07 – Em 1958, Garrincha ao lado de Mazzola. Mané era comparado a Carlitos e a Cantinflas.
 
Foto 08 – O caricaturista Adail de Paula, o querido Pinduca, retratou com o brilhantismo de seu traço o gênio Garrincha, o Chaplin dos gramados.

Foto 09 – A assinatura de Garrincha  

         
                                                                      Foto 01

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